Ciência deve embasar diálogo para implementação do Código Florestal, diz IPAM

19 de junho de 2024 | Notícias

jun 19, 2024 | Notícias

Por Bibiana Alcântara Garrido*

Em audiência pública nesta terça-feira (18) no Senado Federal, a ciência foi destacada por Jarlene Gomes, pesquisadora do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), como subsídio para a implementação do Código Florestal.

“Trabalhamos com fundamentação cientifica para a produção de dados e informações, de forma estratégica para aproximar o diálogo, tanto com os produtores, quanto com academia, setor público e privado, buscando oportunidades e soluções para avançar na implementação do Código Florestal”.

“As ações de implementação do Código para conservar e restaurar as florestas têm um papel importante e estratégico”, continuou, “além do benefício para a conservação de paisagens, promovem benefícios com impacto direto às pessoas e à economia mundial”.

Segundo o Termômetro do Código Florestal, iniciativa multi-institucional apresentada pela pesquisadora na audiência, há mais de 79,3 milhões de hectares em excedentes de reserva legal no país. Excedentes são as áreas com vegetação natural mantida em propriedades rurais para além da reserva legal obrigatória por lei. Já os passivos, que são a diferença entre o que deveria ser conservado e o que de fato é reserva legal, somam mais de 19 milhões hectares. Pelo Código, 80% da área do imóvel rural deve ser protegida como reserva legal na Amazônia; percentual que varia de 20% a 35% no Cerrado.

A maior parte (39,3% do total) do excedente de reserva legal no Brasil está no Cerrado, são mais de 31 milhões de hectares, ainda conforme o Termômetro. O maior passivo (57,5% do total) está na Amazônia, somando quase 10 milhões de hectares que ainda precisam ser regularizados. Diferentemente da Amazônia, que tem em torno de 47% do território protegido, o Cerrado tem 11% de sua vegetação sob algum tipo de proteção. Cerca de 62% dos remanescentes da savana brasileira estão dentro de propriedades rurais.

Especialistas presentes na audiência ressaltaram a defesa da restauração e conservação de áreas de passivos. “A restauração ecológica também pode ser produtiva, a lei permite o uso. A gente precisa quebrar a dicotomia e usar essas áreas para manejo também. É uma tendência mundial. Precisamos ganhar volume e aumentar as cadeias da sociobiodiversidade”, disse Laura Antoniazzi, especialista em Agricultura e Sustentabilidade e membro da Coordenação da Araticum.

Em 2023, 75% do desmatamento no Cerrado ocorreu dentro de imóveis rurais com CAR (Cadastro Ambiental Rural), revelou o SAD Cerrado (Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado) desenvolvido pelo IPAM. A área desmatada no Cerrado superou o desmate na Amazônia pela primeira vez – lembrando que o primeiro é duas vezes menor, a escala da área torna-se ainda mais expressiva.

“O Código Florestal é vital para o Cerrado. Os dados do Termômetro do Código Florestal mostram que a quantidade de excedente de vegetação nativa é grande no bioma, colocando essa área em risco. Para evitar que essa área seja convertida é fundamental ter investimento para o melhor uso e produtividade das áreas já desmatadas e uma melhor fiscalização da legalidade do desmatamento”, acrescentou Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM.

Idealizada pelo OCF (Observatório do Código Florestal) com apoio da Frente Parlamentar Mista Ambientalista e da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas, a audiência foi motivada também pela urgência da aplicação da lei como meio de adaptação e mitigação dos efeitos da emergência climática, cada vez mais urgentes no país que vivencia eventos extremos como o ocorrido no Amazonas em 2023 e, neste ano, no Rio Grande do Sul.

“O Código Florestal atua como um instrumento que ajuda de forma significativa na adaptação e mitigação desses efeitos das mudanças climáticas”, comentou Marcelo Elvira, secretário executivo do OCF. E frisou a necessidade de colocar a lei em prática: “O Código já está maduro, não precisa ser mudado; precisa ser implementado”.

Projetos de lei em tramitação do Congresso Nacional foram citados por Elvira, como o PL 364/2019, que elimina a proteção de todos os campos nativos e outras formações não florestais; o PL 2168/2021, que coloca sob risco de desmatamento as áreas de preservação permanente, protegidas pelo Código Florestal; e o PL 3334/2023, que viabiliza a redução da reserva legal na Amazônia.

Para Jarlene Gomes, a implementação do código traz oportunidades para os produtores brasileiros, como o observado no capítulo dez do Código Florestal, que trata do programa de apoio e incentivo a preservação e recuperação do meio ambiente. “A regulamentação de seus respectivos artigos promove a adoção de tecnologias e boas práticas, fomentando conciliar produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais, a exemplo do pagamento ou incentivo a serviços ambientais e outros instrumentos importantes para engajar o produtor na agenda”, avaliou.

Conectar o CAR com outras políticas públicas, como as cadeias produtivas, financeiras, além dos setores sociais, ambientais e de mercado também foi uma oportunidade destacada pela pesquisadora. Além disso, Gomes indicou a promoção da segurança jurídica para avançar na análise, validação e demais etapas do Código Florestal.

O deputado federal Nilto Tatto, autor do requerimento para a realização da audiência, endossou a discussão. “Este é um tema que precisamos debater com profundidade e ver como este parlamento pode avançar na implementação desta que é uma lei fundamental não só para os ambientalistas, mas, principalmente, para o setor produtivo que já vem sofrendo com redução de produtividade em algumas regiões do país”.

Segundo estudo de Ludmila Rattis, pesquisadora do IPAM e do Centro de Pesquisa Climática Woodwell, dos Estados Unidos, 30% das áreas agrícolas de milho e soja do Centro-Oeste brasileiro já saíram do ideal climático para a produção. Na próxima década, o impacto pode chegar a 50% dessa área e a 70% da região em trinta anos.

*Jornalista de ciência no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br



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