Paulo Brando: “Para estudar uma floresta, 20 anos é quase nada”

10 de junho de 2024 | Notícias, Tanguro (PT), Um Grau e Meio

Por Bibiana Garrido*

Paulo Brando é pesquisador associado do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e professor da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Foi um dos primeiros cientistas a iniciar o trabalho na Estação de Pesquisa Tanguro, em 2004, integrando a equipe de um experimento de longo prazo sobre os efeitos do fogo na floresta amazônica.

Localizada em Querência, Mato Grosso, a Estação de Pesquisa completa 20 anos em 2024.

Para Brando, as maiores contribuições do trabalho realizado na Tanguro estão no campo da ciência e da educação. O pesquisador comenta, em entrevista gravada na Estação de Pesquisa, sobre a abordagem interdisciplinar na formação de estudantes, profissionais e cientistas, para promover uma visão integrada da ecologia com a agricultura, economia e o campo socioambiental, por exemplo.

A entrevista foi divulgada na newsletter Um Grau e Meio, uma produção quinzenal e gratuita do IPAM com análises exclusivas sobre clima e meio ambiente. Clique para receber!

 

IPAM: Você se lembra da primeira vez que esteve na Estação de Pesquisa Tanguro? Em que projeto trabalhava?

Paulo Brando: A primeira vez que eu vim à Tanguro, me lembro muito bem, foi em maio de 2004. Eu estava trabalhando com o projeto Seca Floresta, em Santarém, e me chamaram para contribuir em um outro projeto na Tanguro, em Mato Grosso. Cheguei aqui para ficar um mês e meio, não sabia muito bem o que era, mas tinham mais de vinte pessoas trabalhando na implementação de um projeto de fogo. A gente precisava medir tudo o que acontecia antes do fogo para tirar mais proveito desse experimento, que era revolucionário na época, para entender o impacto ecológico e climatológico do fogo na Amazônia.

Quais pesquisas você desenvolveu ao longo dos anos e em que está trabalhando agora?

Nesses vinte anos de Tanguro fiz muita coisa com a ajuda de muita gente, principalmente dos funcionários da Estação de Pesquisa. Quando a gente chegou aqui, um dos grandes objetivos era entender a resistência da floresta amazônica ao fogo. A gente conduziu um experimento muito legal com o fogo prescrito, aquele que é colocado de propósito, experimentalmente e em uma área controlada, com segurança. Com isso, descobrimos que o fogo não tinha um impacto tão grande, de imediato, em um ano que não era muito seco. Mas a gente repetiu o mesmo experimento num ano de seca e a floresta mudou completamente. Várias árvores morreram. Então, nesse primeiro objetivo, a gente identificou um mecanismo que podia levar à degradação quase total de uma floresta em três anos pela interação entre fogo, seca e efeito de borda. Hoje em dia a gente tem muita pesquisa para entender qual o futuro da floresta no sudeste da Amazônia. É uma região que está ficando mais seca, quente e fragmentada, e com uma perda de diversidade biológica em toda a paisagem. A gente tem uma hipótese que a floresta possa ficar mais resistente ao longo do tempo, com esses tipos de estresse, mas, também, pode ficar menos resistente se perder a resiliência. Muito da nossa pesquisa é para entender se a perda dos animais da floresta e da complexidade biológica que representam, em interação com as plantas, fará com que a floresta fique menos resiliente. Se for o caso, a gente vai ter uma floresta muito diferente, que provê serviços outros do que nos oferece hoje.

O que torna a Tanguro um lugar único para realizar pesquisas?

A Tanguro é um lugar muito especial para a gente fazer pesquisa por vários motivos. Um deles é que a Estação está localizada no sudeste da Amazônia: é a borda mais quente e mais seca do bioma. A vinte quilômetros daqui tem savana, tem Cerrado. Essa região, em teoria, é muito mais vulnerável às mudanças climáticas e àquelas causadas pela agricultura e pelo modelo de desenvolvimento local. Outro motivo que é muito importante, é que a Estação de Pesquisa está em uma fazenda agrícola de Mato Grosso. É um tipo de uso do solo muito comum na região inteira. Essas condições criam um grande laboratório em que a gente pode avaliar quais são os impactos de diferentes manejos na biodiversidade, nos recursos hídricos, no clima e na ciclagem de carbono e nos serviços ecossistêmicos.

Você pode compartilhar alguma percepção que teve em campo e que impactou algum projeto seu?

Boa parte dos meus insights vem à mente quando estou em campo. Quando estou andando, vendo e conversando com os funcionários que estão aqui no dia a dia. É uma troca de experiência muito rica. Mas, diria que algo especial, muito ecológico e bonito, de certa maneira, foi o efeito das formigas no comportamento de fogo. As formigas cortadeiras cortam as folhas do chão e acabam criando alguns aceiros para o fogo. Então, ao comerem e trazerem as folhas para suas fazendas, porque as formigas são grandes agricultoras, elas acabam alterando o impacto do fogo de baixa intensidade na vegetação. É uma história muito bonita, que não é só minha, mas do grupo de pesquisadores que descobriram isso na Tanguro.

Qual foi a coisa mais louca que já aconteceu enquanto você estava pesquisando na Tanguro?

Bom, já tive várias loucurinhas enquanto estava fazendo pesquisa aqui. Mas uma foi marcante. A gente não faz isso mais, mas um dia eu estava andando sozinho na floresta, fazendo uma medição de último momento, um pouquinho mais no final do dia, e imaginei que tinha alguma coisa me seguindo. Aí pensei que deveria ser minha imaginação e continuei andando. Logo depois, tive a impressão de que havia alguém me olhando. Pensei no Curupira, em outras histórias, mas falei para mim mesmo ‘Paulo, você é um cientista’ e continuei fazendo as medições. Mais um pouco e parei de novo e achei que não era mesmo a minha imaginação. Devia haver algum espírito ali. Olhei para trás e comecei a gritar para algo que eu não via. De repente, essa coisa começou a chacoalhar as árvores e fiquei me perguntando qual bicho seria tão grande, mas eles se mostraram: eram pequenos macaquinhos mexendo as árvores ao mesmo tempo e me expulsando da floresta naquela hora. Eu dei risada, mas antes disso foram uns 40 minutos de um desespero criado pela minha imaginação.

O que você espera para os próximos 20 anos de pesquisa na Tanguro?

Vinte anos parece muito tempo, mas para a gente que está estudando uma floresta, é quase nada. Boa parte das árvores aqui têm mais de 100 anos. Então, é só uma parte da vida dessa floresta. A gente tem que estudar a dinâmica dessa floresta ao longo do tempo: será que ela consegue sobreviver às mudanças que estão acontecendo na paisagem, no regime do fogo? Será que ela consegue sobreviver às novas condições climáticas que a gente criou?

A segunda parte importante de estudar na Estação de Pesquisa Tanguro, eu diria, são os limites da intensificação da agricultura mecanizada e globalizada. A gente tende a produzir mais grãos e alimentos por unidade de terra, mas para isso usa muitos nutrientes, herbicidas e agroquímicos que acabam tendo um impacto muito grande local na biodiversidade e em populações de todos os tipos. Então, tem um limite para produzir mais e não danificar o meio ambiente. Entender esse limite pode ajudar os produtores a terem um impacto menor na natureza e mais eficiência na produção, sem gastar tanto com fertilizante e herbicida; ao mesmo tempo, conservar toda essa paisagem que existe e da qual tanta gente depende dos serviços providos por ela.

Comente um pouco sobre a aplicação desses estudos e resultados na prática.

Parte central da Tanguro é a educação. Boa parte das pesquisas que foram desenvolvidas aqui estão em dissertações e teses de estudantes da região, de universidades brasileiras e internacionais, em todas as suas conexões.

Uma parte chave que a Tanguro pode prover é criar uma educação interdisciplinar: normalmente as pessoas estudam floresta, ecologia, agricultura… e aqui a gente tem que estudar todas essas inter-relações. E, hoje em dia, pessoas que entendam essas interconexões podem ser novos líderes e gestores para criar políticas públicas considerando uma paisagem mais sustentável. A gente ainda não tem formação nas instituições brasileiras, em geral, que tragam tudo isso junto, então temos que trabalhar com vários atores para ter uma visão ampla e treinar pessoas que tenham essa possibilidade.

Se a gente pensa em sustentabilidade, não pode só pensar na ecologia ou no clima; tem que pensar em pessoas, na economia e em toda a parte socioambiental. Entre as grandes contribuições da pesquisa na Tanguro na formação de pessoas se reflete em vários ex-alunos que hoje integram a academia, o governo, ou estão até mesmo dentro do IPAM. Essas pessoas conseguem ter uma visão muito ampla e acabam multiplicando essa abordagem multidisciplinar.

Um exemplo muito importante, e que eu sou muito fã, é o doutor Divino Silvério, que foi pesquisador do IPAM aqui na Tanguro e hoje é um dos grandes líderes da área ambiental no Brasil. Ele me mostrou que não há limites para o aprendizado. Eu diria que se a gente tiver mais Divinos nessa vida vamos conseguir melhorar muito o mundo.

 

*Jornalista de ciência no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br
Foto de capa: O professor Paulo Brando explica para estudantes, junto ao pesquisador Leonardo Maracahipes, como funcionam as torres de monitornamento na Estação de Pesquisa Tanguro (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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