Por Sara Leal*
O Brasil tem o maior banco de dados sobre antas no mundo. Muito disso se deve ao trabalho de Patrícia Medici, desde 1996 na coordenação da INCAB (Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira), um projeto do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) para reduzir os riscos à espécie no país.
Quando ajudou a fundar o IPÊ, em 1992, a pesquisadora e colegas criaram uma lista de espécies as quais não havia muitas informações a respeito. “Sempre gostei de grandes mamíferos e queria trabalhar com algo que eu pudesse começar do zero”, diz ela sobre a escolha de pesquisar a anta de Terras Baixas (Lowland Tapir, no inglês).
Listada pela UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) como vulnerável à extinção, a espécie está presente em 11 países a leste da cordilheira dos Andes. “Isso é quase toda a América do Sul, ou seja, todo um continente. É um animal que precisa ser olhado bioma por bioma devido aos diferentes contextos e entender quais são as ameaças para criar estratégias que possibilitem a sobrevivência da espécie”.
Em 2021, a Estação de Pesquisa Tanguro foi uma das áreas selecionadas para acompanhar o comportamento das antas. “Há um componente muito particular que é a agricultura em larga escala e interface com a floresta amazônica em uma área de transição com o Cerrado, o que nos atraiu bastante”, explica.
A propriedade possui 50 armadilhas fotográficas instaladas em locais estratégicos que registram o comportamento dos animais e as antas são capturadas para colocação de colares que possibilitam monitoramento via satélite.
É também a chance de coletar material biológico para uma bateria de exames. “Enquanto o bicho está ali dormindo, anestesiado, é a nossa oportunidade de coletar sangue, urina, leite, carrapatos, pelo, tecido… tudo o que você puder imaginar. É um check-up muito completo que nos possibilita avaliar a saúde do animal”, explica a pesquisadora.
Proteger as antas é uma forma de promover a conservação do habitat desses animais. “O IPAM desenvolveu um trabalho muito pioneiro aqui na Tanguro há algum tempo mostrando a importância das antas para regeneração da floresta. Nós fizemos um estudo parecido, na Mata Atlântica, que mostrou a mesma coisa – a importância da espécie para a formação e manutenção de biodiversidade”.
Outra abordagem utilizada pela INCAB é identificar quais ameaças que afetam a espécie que também afetam o ser humano, como atropelamento em rodovias e contaminação por agrotóxicos. “Temos utilizado a anta como uma sentinela: ela está apontando para nós quais são os riscos no ambiente que também impactam os seres humanos. Resolver essas questões beneficia tanto as antas quanto a gente”.
Durante a entrevista para esta reportagem, Patrícia estava na Estação de Pesquisa Tanguro realizando o trabalho de coletas. “Prezo muito por estar no campo. Preciso estar aqui aplicando as metodologias, usando o meu ‘feelingzinho‘ de pesquisadora; de capturar e olhar para aquele animal, ver suas condições de saúde, manipular… ter esse olhômetro para sentir esse bicho no habitat dele”, explicou.
Com os dados coletados, Medici fala sobre o segundo momento que mais a estimula no trabalho. “Mastigar essas informações, juntar todas elas e tirar o que precisamos. Eu costumo brincar: jogar tudo no liquidificador, bater e olhar o que sai. Isso também me fascina demais”.
*Coordenadora de comunicação do IPAM, sara.pereira@ipam.org.br
Foto de capa: Lucas Ninno