Os 1.897 quilômetros que separam Belo Horizonte, em Minas Gerais, e Minas, no Uruguai, escrevem a história de Lorena Guedes, 34 anos, e Renata Anjos, 33 anos. Foi essa a distância percorrida por elas para deixar a vida no Brasil e desembarcar em terras uruguaias para trabalhar com agrofloresta.
A tradutora e a profissional de educação física tinham em mente que o estilo de vida que almejavam estava distante da cidade. Era 2018. Tornar o desejo em prática começou quando elas decidiram que o país vizinho era o local adequado para concretizar o plano. No ano seguinte, foram morar em uma eco aldeia na Serra do Espinhaço, onde vivenciaram com povos indígenas uma “vida em comunhão com a natureza”. Depois, partiram para uma experiência em Minas-Lavalleja, a 120 km de Montevidéu. Durou um mês. “Antes disso, vivíamos uma vida convencional. Cada uma no seu trabalho fixo, apartamento alugado, e contas para pagar”, relembra Lorena.
Na pacata cidade de 40 mil habitantes a dupla conheceu Randy que, ao saber do plano/sonho, ofereceu um pedaço de terra para que elas pudessem produzir. Com o convite em mãos, foi hora de retornar ao Brasil, juntar dinheiro, estudar sobre agrofloresta e voltar. As minas só não contavam com a pandemia de Covid-19, que fechou fronteiras e paralisou a viagem em 2020 e as obrigou a viver na cidade grande. “Depois de meses de quarentena e frustração, decidimos que se era preciso ficarmos presas em algum lugar, era melhor que fosse dentro do carro viajando do que na cidade”, conta Renata.
O Ford Ka 1998 virou casa – que guardava todos os bens e o cachorro de estimação – e a viagem de Minas Gerais até o Uruguai durou um ano. Uma rede de assistência achada no Facebook foi essencial. “Foram 13 famílias ao todo, passando desde aldeias indígenas à agricultores familiares, de chácara de biodinâmica a cooperativa de amigos”, afirma Lorena.
Finalmente, no dia 4 de novembro de 2021, elas conseguem cruzar a fronteira do Brasil com o Uruguai pelo ChuíChuí. Era a realização do sonho.
“Las Minas”
As brasileiras foram bem recebidas e Randy não só virou um parceiro como doou o terreno de 12 hectares. Nascia ali a “Las Minas Agrofloresta”, que usa técnicas agroflorestais de recuperação do solo e produção de alimentos. O terreno degradado pela pecuária e pela monocultura de beterraba, para produção de açúcar, está dando lugar a culturas mais sustentáveis. “Hoje nosso trabalho consiste na criação da barreira de vento da propriedade, construção de canteiros sintrópicos (com plantas que conseguem se adaptar) e plantação de centenas de árvores nativas, frutíferas e pioneiras para poder proteger nosso terreno dos fortes ventos e do frio que faz na nossa região”, detalha Renata.
O trabalho ainda é manual. “Por enquanto é desgastante, pois estamos construindo e plantando tudo com a força dos nossos braços. Estamos na fase ’placenta’ da nossa floresta, plantando espécies que vão ajudar a alimentar nosso solo e repará-lo para receber espécies mais exigentes”, diz Lorena.
Mas a realidade começa a mudar. A “Las Minas” teve um projeto aprovado em uma chamada pública do governo uruguaio para receber financiamento e investir nas tecnologias necessárias para melhorar a eficácia do nosso trabalho. Chegam as máquinas, um sistema de irrigação, além de várias mudas de árvores. “Com o nosso trabalho, contribuímos para a descompactação do solo, criação de áreas verdes, retirada de gás carbônico da atmosfera, reciclagem e penetração da água no solo, além de despertar a curiosidade dos vizinhos para novas formas de cultivar”, define Renata.
“Queremos ser sementes de uma grande transformação do pensamento da comunidade que nos rodeia, que em sua maioria utiliza técnicas convencionais de cultivo, as mesmas que levaram e continuam levando o mundo num caminho de destruição e escassez do solo, água, ar, e da fauna e flora”, almeja Lorena.
O Brasil virou lugar para descansar nas férias. Mas as Las Minas podem fazer um caminho de volta algum dia? “Fizemos bons amigos na estrada até o Uruguai e recebemos propostas para, em algum momento, replicar nosso projeto nas terras que eles habitam. Então sim. Las Minas, em algum momento, vai ter projetos no Brasil também”, projeta Lorena.
O meio ambiente só tem a agradecer!