Por Bibiana Alcântara Garrido*
Enchentes atingiram Rio Branco em 41 dos últimos 52 anos, com inundações de grau médio, grande e extraordinário em ao menos 23 anos no período analisado. É o que consta no Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima da capital, que registra ocorrências entre 1971 e 2019, somadas às enchentes de 2020, 2021, 2022 e 2023. Elaborado em 2020 pela prefeitura de Rio Branco em parceria com o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e a iniciativa Governos Locais Pela Sustentabilidade para América do Sul, o plano ainda não foi implementado. O documento caracteriza inundações e enchentes como vulnerabilidades de alto risco para o município e calcula que 73% ocorrem nos meses de fevereiro e março.
Com mais de 20 mil habitantes atingidos pelos impactos do transbordamento do rio Acre e de sete igarapés neste ano, a prefeitura decretou situação de emergência na última sexta-feira (24).
“Rio Branco é a única cidade da Amazônia que tem pronto um plano de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, com diagnósticos específicos e definição de ações prioritárias para lidar com momentos como este que estamos, infelizmente, vivendo. É preciso criar e implementar, com urgência, planos que olhem para além das ações emergenciais, mas também para ações de médio e longo prazo de enfrentamento à mudança do clima em todos os municípios, afinal, é neles que se dá a primeira resposta aos desastres, para que não ocorram mais tragédias que poderiam ter sido evitadas”, avalia Jarlene Gomes, pesquisadora e porta-voz do IPAM em Rio Branco.
O Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima de Rio Branco destaca o processo desordenado de ocupação do solo, sem seguimento ao Plano Diretor Municipal, como motivo para a capital ter se tornado uma área de alto risco para inundações e enchentes. Entre 1971 e 2019, o estudo detectou que a intensidade das chuvas começa a aumentar a partir do mês de novembro, e que de dezembro a maio o nível do rio Acre pode subir.
“No município de Rio Branco, a cota de alerta do rio Acre é de 13,5 metros e a cota de transbordamento de 14 metros. A primeira é definida como a cota que sinaliza a iminência do transbordamento. Já a segunda, traduz-se pela concretização do transbordamento do Rio Acre de seu leito normal, isto é, a calha principal. A partir dos 14 metros, as residências construídas nas áreas de riscos começam a ser afetadas pelas águas”, diz um trecho do texto. Nesta terça-feira (28) o nível do rio Acre chegou a 16,84 metros, segundo boletim da Defesa Civil.
O documento identifica que 73% das enchentes no período analisado ocorreram em fevereiro e março, mas ressalta que abril já registrou enchentes médias e grandes, como em 2009 e 2011. Outras enchentes históricas nos anos de 1988, 1997, 2006, 2010, 2012, 2013, 2014 e 2015 também são citadas. No último, o rio Acre se elevou a 18,4 metros, mais de 4 metros acima da cota de inundação do município, “ocasionando impactos significativos no que diz respeito aos danos (humanos, materiais e ambientais) e prejuízos (econômicos e sociais)”, relata o material.
De acordo com o plano, pequenas enchentes ocorreram em 14 anos (28,6%), médias enchentes em 10 anos (20,4%), grandes enchentes em 9 anos (18,4%) e enchentes extraordinárias em 4 anos (8,2%), essas, em 1988, 1997, 2012 e 2015. Considerando as enchentes ocorridas depois do período observado, a última metade de século em Rio Branco teve apenas 9 anos sem registro de enchentes.
“Cientificamente, temos uma clareza maior para entender o quanto esses eventos estão ligados à crise climática causada pela ação humana. A implementação de políticas públicas para adaptação e mitigação, por parte do poder público, é fundamental. O zoneamento deve ser levado em consideração, os planos diretores devem ser implementados. Além de ações públicas, precisamos de uma sensibilização da sociedade, por exemplo, na mitigação, evitando jogar lixo nos rios e igarapés. Há um processo necessário nesse sentido, que é também a própria recomposição florestal das margens desses rios e igarapés que evitam o avanço do assoreamento. Na parte de adaptação, precisamos de mais alternativas de estrutura para as cidades. São impactos que vão além do ambiental e devemos fazer uma reflexão sobre como vamos lidar com isso daqui para a frente”, conclui a pesquisadora.
As associações do Ministério Público do Acre e dos magistrados do estado estão arrecadando doações em apoio às pessoas atingidas pelas enchentes. Saiba como ajudar.
*Jornalista no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br