Oito organizações ambientalistas – Greenpeace Brasil, ICV, Imaflora, Imazon, IPAM, Instituto Socioambiental, WWF-Brasil e TNC Brasil – apresentaram pela primeira vez no Brasil o relatório “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”. O seminário, que aconteceu em São Paulo com a mediação do jornalista Marcelo Tas, teve como objetivo debater as propostas apresentadas pelo grupo no documento para frear o desmatamento, que atualmente causa perdas para o Brasil – cessar a remoção de florestas na região e mudar a forma como o solo é usado, por sua vez, só trarão vantagens ao país.
A área de floresta perdida na Amazônia já equivale a duas vezes o território da Alemanha. Sem controle, a taxa de desmatamento poderá atingir patamares anuais entre 9.391 km2 e 13.789 km2 até 2027.
A taxa média de desmatamento entre 2013 e 2017 foi 38% maior do que em 2012, ano com a menor taxa registrada, a situação pode piorar devido à impunidade a crimes ambientais, retrocessos em políticas ambientais, falhas nos acordos da pecuária, estímulo à grilagem de terras públicas e retomada de grandes obras.
A pegada da pecuária, um dos principais vetores do desmatamento, é pesada: do total desmatado, 65% são usados para pastagens de baixa eficiência, com menos de um boi por hectare. “Dos 75 milhões de hectares de corte raso de floresta que existem na Amazônia, pelo menos 27 milhões estão em situação muito ruim: são áreas em regeneração, pastos degradados e pastos improdutivos. Ora, vou desmatar para quê, se posso usar políticas de recuperação desses pastos para produção agrícola?”, questiona o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa, que participou do evento. “Quando o ganho tecnológico é grande, você não precisa desmatar. São 27 milhões de hectares na Amazônia que, se recuperados, entram no sistema econômico.”
O pesquisador sênior do IPAM, Paulo Moutinho, que apresentou o relatório no evento, também afirmou que desmatamento zero não significa perda econômica para o proprietário rural, pois há iniciativas em curso que veem a floresta como ativo financeiro, não como passivo. “Para o produtor que tem sua reserva legal preservada (parcela da propriedade que precisa ser mantida com vegetação nativa, de acordo com a lei) e vai além dela, por que não termos um processo econômico de reconhecimento e até compensação por esse ativo?”
O argumento de que é preciso derrubar floresta para crescer economicamente não se sustenta: o desmatamento registrado entre 2007 e 2016 (7.502 km2 por ano, em média) teve potencial de adicionar anualmente apenas 0,013% do PIB brasileiro. Além disso, compromissos corporativos ainda falham na sua implementação e não monitoram a cadeia por completo.
“Desde 2010, o Carrefour assume o compromisso pelo desmatamento zero nos 34 países em que atua. Mas a gente sabe que, aquilo que é recusado pelo Carrefour ou por outra empresa com política semelhante, será vendido de alguma maneira”, disse o diretor de Sustentabilidade do Carrefour, Paulo Pianez. “Estamos convencidos de que precisamos adotar essa política, como mostra esse relatório, mas a questão de políticas públicas se coloca como urgente.”
Essas políticas públicas são contraditórias. O Brasil possui uma meta climática, calçada principalmente em desmatamento, mas internacionalmente assumiu zerar somente a ação ilegal na Amazônia apenas em 2030. Em 2016, as mudanças no uso da terra representaram 51% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil e mantiveram o país como o sétimo maior emissor do mundo.
“Nossa teoria da mudança é que vamos produzir ótimos dados, demonstrar que o desmatamento zero é possível, e os nossos ‘maravilhosos’ políticos vão ler esses dados e vão tomar decisões racionais, olhando para o futuro, para os próximos 20, 30 anos. Infelizmente, a teoria da mudança está furada, porque não é assim que a política acontece no dia a dia”, afirmou a diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade, Ana Toni. “A gente pensa em curto prazo no Brasil. Os créditos agrícolas de safra, por exemplo, são de um ano. Os mecanismos de longo prazo que a gente precisa não existem nesse momento.”
Como demonstra o relatório, esses mecanismos precisam ser criados, pois combater o desmatamento demanda compromissos dos setores público, privado e a sociedade. Uma das ações mais urgentes é estancar a grilagem de terras públicas. Há 70 milhões de hectares que precisam ser destinados para uso coordenado, seja para preservação, atividades extrativistas, entre outros – em 2017, 28% do desmatamento aconteceu nessas áreas, e de forma ilegal.
O fim do desmatamento na Amazônia coloca o Brasil na frente de uma tendência mundial: a produção de commodities com zero conversão florestal: além de abrir mercados, é um estímulo ao desenvolvimento de outras alternativas econômicas em harmonia com a floresta e seus povos. O Brasil dessa maneira protege a própria produção agropecuária, já que, sem florestas, a chuva diminui e o clima esquenta.
O cientista Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo, explicou que não há nada mais barato do que reduzir as emissões de gases estufa provenientes de desmatamento, que é responsável pela emissão de 11% dos gases no mundo. “Esse número já foi 18%, e caiu em 15 anos sem provocar recessão. (O desmatamento zero) É possível? A resposta clara e óbvia é: sim, com gigantescos ganhos ambientais que o próprio documento mostra.”
Sobre os palestrantes:
Ana Toni:
Diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e sócia-fundadora do GIP (Gestão de Interesse Público). Economista e doutora em Ciência Política, Ana possui longa trajetória no trabalho e apoio a projetos voltados à justiça social, à promoção de políticas públicas, à área do meio ambiente e mudanças climáticas e à filantropia. Ana foi presidente de Conselho do Greenpeace Internacional (2010 e 2017), diretora da Fundação Ford no Brasil (2003-2011) e da ActionAid Brasil (1998-2002). Atualmente é integrante da Rede de Mulheres Brasileiras Líderes pela Sustentabilidade e dos conselhos da Agência Pública, da Gold Standard Foundation, do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) e do Fundo Baobá por Igualdade Racial.
Eduardo Assad:
Pesquisador, coordenador técnico nacional do Inventário Nacional de Gases de efeito Estufa, coordenador do projeto especial “Riscos na agricultura” da Embrapa, membro do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (IPCC), coordenador do subprojeto Clima e Agricultura do INCT Mudanças Climáticas, professor do mestrado em Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GVAgro).
Paulo Artaxo:
Professor titular do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Paulo Pianez:
Diretor de Sustentabilidade do Carrefour Brasil, é economista pela Unicamp e pós-graduado em Estatística pela mesma instituição. Atua há dez anos em sustentabilidade, em especial nos desafios de conciliar produção/operação do setor privado com conservação e diminuição dos impactos ambientais.