A moratória da soja, acordo entre sociedade civil, indústria e governo que visa a tirar o desmatamento da cadeia de produção da Amazônia, foi renovada ontem por tempo indeterminado, em evento no Ministério do Meio Ambiente, em Brasília. É a primeira vez que isso acontece após dez anos em operação, com renovações anuais desde 2008.
A moratória estabelece que as empresas compradoras do grão e de seus derivados, representadas pela Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) e pela ANEC (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), não podem adquirir de quem produziu em áreas desmatadas após maio de 2008, dentro de terras indígenas ou que estejam na lista de trabalho escravo.
A partir de agora, sob a liderança do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), os membros do Grupo de Trabalho da Soja (GTS) se comprometem a criar um novo mecanismo com critérios que substituam a moratória, baseada no novo Código Florestal e que seja transparente, com ferramentas de monitoramento e verificação.
“A decisão demonstra a confiança criada entre os membros do GTS nos últimos dez anos. Além disso, é uma oportunidade para avançarmos na melhoria de todo o sistema, com desenvolvimento de critérios de desempenho para a moratória, sem que todo ano se perca tempo apenas discutindo renovação do acordo”, explica o pesquisador de políticas públicas do IPAM, Tiago Reis.
Durante a assinatura do acordo, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ressaltou a evolução do trabalho entre os diferentes atores da moratória e a importância de sua continuidade. “É uma vitória do ponto de vista de construção política entre governo, setor privado e entidades não governamentais”, disse. “Há um comportamento do mercado e do consumidor que assimila o fim do desmatamento ilegal no Brasil, e é possível colocar o agricultor no caminho de produzir mais conservando mais.”
Soja e desmatamento
Durante o evento, uma avaliação feita pela empresa Agrosatélite mostrou que, até 2005, os 76 municípios que mais plantam soja na Amazônia (98% do cultivado no bioma) desmataram juntos quase 8 mil quilômetros quadrados. Essa taxa caiu para cerca de 3 mil km2 em 2006 e, a partir de 2009, a taxa média se estabilizou em pouco mais 800 km2 por ano, aproximadamente.
Atualmente, o desmatamento feito para plantio de soja nesses municípios responde a 0,8% do total registrado pelo governo. “Ainda tem gente que quer fazer mal feito, e esses a gente pune. Quem faz bem feito deve ser recompensado”, disse a ministra. “A cabeça do produtor está mudando. Ganhar dinheiro não é único escopo do negócio, é preciso ganhar dinheiro de forma adequada”, disse o presidente da Abiove, Carlo Lovatelli. “Isso é cobrado na Europa e, se não atendermos, seremos marginalizados.”
Tanto Teixeira quanto Lovatelli ressaltaram a importância do Cadastro Ambiental Rural (CAR) no fortalecimento da governança ambiental no campo, e indicaram sua importância dentro deste novo mecanismo que será desenvolvido. “Quem não tiver CAR não vai ter mercado”, disse o presidente da Abiove. “Com a implementação total do CAR, devemos buscar o desmatamento ilegal zero”, afirmou a ministra.
O pesquisador do IPAM explica que o CAR deve ser um componente importante na substituição da moratória, mas não é suficiente. “Com grande parte dos cadastros validados, ele pode ser um instrumento público, transparente e custo-efetivo para as empresas monitorarem os compromissos assumidos”, diz Reis. “Em médio prazo, após passar pelas próximas fases, de análise e validação, ele pode ser um critério da moratória.”
Novas frentes
A ministra, em clima de fim de mandato, afirmou ainda que a moratória da soja deve avançar para outros biomas do Brasil, especialmente o cerrado. “Ali no Matopiba (região produtora de grãos entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) vamos mostrar que é possível dobrar a área de reserva legal com aumento de produção. Assim conseguiremos mais recursos, para que seja possível produzir e proteger”, afirmou.
Teixeira também disse que a contribuição do desmatamento do cerrado para o agravamento das mudanças climáticas será divulgado na próxima comunicação nacional de gases estufa, que o Brasil entregará à Convenção do Clima até o início do próximo ano. “Um país quando assume o compromisso internacional tem de cumprir, não tem ‘puxadinho’.”